ARIPUANÃ, Quinta-feira, 28/03/2024 -

NOTÍCIA

Patrocinadoras de eventos com Lei Rouanet ganhavam 2 vezes, diz MPF

Patrocinadoras se beneficiavam com isenção fiscal e superfaturamento. Mais de 250 projetos foram identificados com indícios de fraudes.

Data: Terça-feira, 28/06/2016 00:00
Fonte: Tatiana Santiago Do G1 São Paulo
 
 
 

As empresas patrocinadoras de eventos realizados com verbas da Lei Rouanet “ganhavam duplamente” no esquema de desvio de recursos federais em projetos culturais com benefícios de isenção fiscal.

 

O esquema, denominado Boca Livre, foi desarticulado em uma operação da Polícia Federal, Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União na manhã desta terça-feira (28). Foram cumpridos 14 mandados de prisão e 37 de busca e apreensão.

 

Segundo as investigações da Operação Boca Livre, um grupo criminoso atuou desde 2001 no Ministério da Cultura e conseguiu aprovação de R$ 180 milhões em projetos fraudulentos. Boca Livre é uma expressão que significa festa onde se come e bebe de graça às custas de outras pessoas.

 

“A verdade é que todos os projetos eram captados por parte desse grupo, que inclusive apresenta traços bastante assemelhados a uma organização criminosa. Vários desses projetos eram captados ou a sua maioria com superfaturamentos. E a diferença desses valores, desse superfaturamento, eram revertidos em valores do próprio grupo e para aqueles patrocinadores que se utilizam desses valores ara sua autopromoção como empresas”, afirmou a procuradora Karen Kahn.

 

De acordo com ela, as empresas financiadoras dos eventos e projetos culturais também recebiam dinheiro do grupo investigado. “A questão é que elas [empresas] ganhavam duplamente porque na medida em que elas já eram beneficiadas com as deduções de imposto de renda. Além disso, existia essa contrapartida que é como uma condição para que elas patrocinassem os projetos, então era um toma lá dá cá. Era uma forma delas aumentarem os seus lucros aproveitando esse superfaturamento que acabava sendo revertido em seu próprio proveito”, afirmou. Mais de dez empresas foram investigadas.

 

Segundo Roberto Viegas, chefe da Procuradoria Geral da União no estado de São Paulo, o grupo formado por produtores culturais chegava a dar uma contrapartida financeira de 30% do contrato para que as empresas aceitassem dar o patrocínio.

 

“Existem casos de pagamento do proponente para a patrocinadora de propina. Alguns desses casos foram detectados. Quando o proponente buscava esse patrocínio além de negociar contrapartida com livros ou com eventos também havia um percentual daquele recurso que seria captado para ser repassado em um outro momento à patrocinadora em torno de 30%”, disse Viegas.

 

O desvio ocorria por meio de diversas fraudes, como superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos duplicados e contrapartidas ilícitas realizadas às incentivadoras.

 

Por enquanto, as investigações não identificaram a participação de funcionários do Ministério da Cultura.

 

Prisões
Os 14 presos, que já estão na sede da PF de São Paulo, são pessoas ligadas ao núcleo duro da operação, ou seja, pessoas ligadas ao grupo que sempre atuou na difusão de eventos culturais. Ainda não há indícios da participação de artistas no esquema.

 

Os donos da produtora Bellini Cultural e o produtor cultural Fábio Ralston estão entre os presos. O grupo atuava principalmente em São Paulo.

 

“Quem captava dinheiro era esse grupo criminoso que com supostas facilitações no âmbito do Ministério da Cultura que não só propiciava as condições ideais para aprovação desses projetos forjados como também exerciam uma fiscalização pífia ou nenhuma de uma forma dolosa para que objetos plagiados não fossem identificados como tais”, afirmou a procuradora Karen Kahn.


Esquema
Segundo o delegado da PF, Rodrigo de Campos Costa, existiu fraude na modalidade isenção fiscal.

 

O grupo investigado apresentava projetos no Ministério da Cultura para captação de recursos na iniciativa privada. Após aprovação do projeto pelo Minc, o grupo procurava grandes empresas atrás de patrocínio.

 

“Na medida que ele [grupo] procurava à iniciativa privada eles tinham que fazer eventos relacionados a cultura. E o que a gente percebeu segundo as provas produzidas durante a investigação é que o objetivo da lei em momento algum foi atingido. Nós percebemos a realização de eventos privados, eventos fechados e sem cunho nenhum da divulgação e propagação da própria cultura conforme previsto na Constituição Federal”, declarou.

 

A Polícia Federal concluiu que diversos projetos de teatro itinerante voltados para crianças e adolescentes carentes deixaram de ser executados, assim como livros deixaram de ser doados a escolas e bibliotecas públicas. Os suspeitos usaram o dinheiro público para fazer shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até a festa de casamento de um dos investigados na Praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, Santa Catarina.

 

“Existem casos que nem houve reversão do evento para quem deveria, foi completamente revertido para festas e eventos privados. Há casos de livros institucionais que foram produzidos com duas capas, uma da empresa patrocinadora e outra para a prestação de contas”, contou Roberto Veigas. Segundo ele, mais de 250 projetos apresentaram irregularidades.