ARIPUANÃ, Sexta-feira, 29/03/2024 -

COLUNAS

“Você vê no olhar”.

Data: Terça-feira, 06/05/2014 00:00
Fonte:

“Você vê no olhar”.

 

          O episodio envolvendo o jogador Paulo Cesar do Nascimento, popularmente conhecido como Tinga, quando o mesmo defendia o time do Cruzeiro de Minas Gerais, pela partida da Copa Libertadores da América, realizada no Peru, na semana passada, contribuiu para apimentar um debate cheio de paradoxos sobre o racismo no futebol e em outras esferas da vida social aqui no Brasil e na América Latina.


             Consequentemente botaram os dedos em uma ferida ainda longe de cicatrizar aqui entre nós cidadãos brasileiros. Os peruanos, ao insinuar através da emissão de sons, que o atleta era um “macaco”, agiram de forma inadequada, externando comportamento desprezível.


              Analisando a situação, que é constrangedora, não consigo entender o espanto e a “suposta” indignação por parte de setores diversos da sociedade e da mídia, quando na verdade os peruanos apenas manifestaram em público o que boa parcela dos brasileiros fazem nos círculos fechados, em rodas de amigos e entre quatro paredes.


          Corriqueiros são os casos de racismo, envolvendo humildes cidadãos aqui no Brasil. Conforme o próprio Tinga declarou em entrevista “Sofri preconceito no Sul do Brasil”.


             É sabido que considerável parcela dos brasileiros externalizam comportamentos ou pensamentos racistas; essa afirmação é mera constatação. Basta que avaliemos as diversas piadas pejorativas e desprovidas de humanidade, que tem o negro brasileiro como inspiração.


             Quem é que nunca escutou conversações do tipo: “é negro, mas é limpinho” ou “é negro, mas é gente boa”, entre tantas outras que os nossos ouvidos tem que escutar com o devido constrangimento.


             Há muita hipocrisia na forma como se lida com o problema. Nós brasileiros temos dificuldade em reconhecer os preconceitos arraigados em nossas almas.


              Os brancos brasileiros são preconceituosos inconscientes, por se colocarem em um patamar de superioridade em relação aos negros, esses que foram libertos dos grilhões, depois de 300 anos de servidão, sem receber qualquer indenização pelo tempo de exploração e trabalhos forçados; os negros brasileiros contribuem com esse racismo, ao se comportarem como se negros não fossem, negando as suas raízes e não se reconhecendo como tal.


              Essa negação de identidade e a defesa insistente de uma suposta igualdade de raça entre nós brasileiros, maquia a dura realidade e evita a agudização das tensões sociais.


              O carnaval, o futebol, entre tantas outras festas populares, contribui para que o povo se misture sazonalmente, transmitindo ao observador uma ideia de não racismo. Contudo a realidade vai além da nostalgia momentânea de nossos festejos de rua.


O negro no Brasil continua exercendo papel subalterno e secundário na hierarquia social; são as vítimas em evidência das violências difusas; são os que mais sofrem as consequências nefastas de um Estado que se destaca pela inoperância, pela falta de humanidade e ineficiência no trato com as problemáticas sociais.


              O caso do jogador é interessante e emblemático, porque serve para questionar a superação do racismo entre os povos que vivem na América.


             A afirmação do jogador, de que sofreu preconceito no Brasil, é reveladora e faz cair a máscara, pois ajuda na desmitificação da teoria de que aqui no Brasil não há preconceito em relação à cor da pele das pessoas. Parafraseando o próprio Tinga, podemos afirmar sem sombra de dúvida: “Você vê no olhar”.


(*) Joel Mesquita - Sociólogo



Autor:
Sobre: