ARIPUANÃ, Sexta-feira, 19/04/2024 -

NOTÍCIA

Piripkura: Justiça Federal determina retirada de invasores de terra indígena em MT

Decisão ocorre em meio à polêmica da formação de grupo técnico da Funai responsável pela demarcação da área, que tem renovação de uso restrito prevista para setembro.

Data: Segunda-feira, 19/07/2021 12:28
Fonte: O Globo/ Daniel Biasetto

A Justiça Federal determinou a retirada dos invasores e desmatadores da Terra Indígena Piripkura, em Mato Grosso, e pediu apoio policial para a reintegração de posse da área, considerada  a mais devastada entre os territórios com a presença de povos isolados.   Ao menos nove fazendeiros e terceiros que atuam no desmate da área terão que retirar os gados das propriedades e estão proibidos de seguir com a derrubada de árvores na região com o objetivo de fazer pastos. Em nove meses, o território já perdeu mais de dois mil campos de futebol, como mostrou O GLOBO.

A decisão dada neste sábado pelo juiz Frederico Pereira Martins, titular da Subseção Judiciária de Juína/MT, acolhe pedido de uma Ação Civil Pública de Reintegração ingressada pelo Ministério Público Federal (MPF) e acontece após uma série de operações do Ibama e da Força Nacional  na TI Pirpipkura que destruiu acampamentos, apreendeu motosserras e multou desmatadores em cerca de R$ 10 milhões. 

Em sua decisão, o juiz destacou o atraso no processo demarcatório pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e reconheceu o direito dos Piripkura à terra indígena.  "Apesar de o processo demarcatório não ter avançado, os Piripkura possuem territorialidade específica e culturalmente determinada, com referências geográficas registradas há mais de trinta anos, tanto que a Funai vem reiteradamente prorrogado as portarias de restrição de uso da referida TI que dão lastro jurídico para impedir que terceiros não índios adentrem na área, ficando ressalvada a permanencia de pessoas que já estavam, eventualmente, no local antes da edição do ato administrativo de restrição de uso", diz trecho do documento obtido pelo GLOBO.

 

Ao todo, foram apreendidas três motosserras e três acampamentos foram queimados na terra indígena Piripkura. Foto: Divulgalção
Ao todo, foram apreendidas três motosserras e três acampamentos foram queimados na terra indígena Piripkura. Foto: Divulgalção

A decisão cita ainda que  "a exploração descontrolada da área indígena tem acarretado graves prejuízos à sobrevivência dos índios, além de provocar sérios danos ao meio ambiente, traduzindo-se também em permanente violação aos direitos materiais e culturais da Comunidade Indígena Piripkura."

Na ação movida pelo MPF, o órgão argumenta que a degradação ambiental praticada pelos invasores no interior da Terra Indígena Piripkura remonta, pelo menos, ao ano de 2008, quando alguns dos réus foram autuados por desmatamento ilegal e outros delitos ambientais, como caça de animais silvestres. 

Ainda de acordo com o MPF, de 2015 pra cá, as invasões do território e os atos de degradação ambiental tornaram-se intermitentes, sendo que "a última e atual violação à posse dos indígenas teve início no ano de 2019 e foi sensivelmente impulsionada pela diminuição das ações de fiscalização ao longo do ano de 2020 em razão da pandemia de Covid-19". Outro problema enfrentando pelo Ibama é a falta de analistas necessários para fiscalização de biomas, como mostrou O GLOBO.

A Terra Indígena Piripkura é habitada por um grupo de indígenas em isolamento voluntário e está localizada  na região entre os rios Branco e Madeirinha, afluentes do rio Roosevelt, nos municípios de Colniza e Rondolândia, no estado de Mato Grosso.

Demarcação em xeque

Pakui e Tamandua, que vivem isolados em terra Piripkura, em imagem do documentário que leva o nome do povo Foto: divulgação/
Pakui e Tamandua, que vivem isolados em terra Piripkura, em imagem do documentário que leva o nome do povo Foto: divulgação/"Piripkura"

O  MPF também entrou com uma petição na Justiça Federal de Mato Grosso contra a nomeação de servidores indicados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para compor o Grupo de Trabalho que realizará a identificação da TI.  O órgão pede a substituição deles por antropólogos "de qualificação reconhecida"  e com experiência no trabalho com indígenas em isolamento voluntário, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. O mesmo juiz deu prazo de 15 dias para a Funai se manifestar.

O MPF argumenta que há conflito de interesses na escolha dos servidores uma vez que os nomeados pela Funai seriam ligados a ruralistas e não possuem capacidade técnica para executar o trabalho. Uma audiência de conciliação na Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Juína (MT) nesta quarta-feira deve definir a substituição, além de analisar a prorrogação por mais três anos da portaria que confirma a interdição da TI para estudos de demarcação, prevista para vencer em setembro. A Funai discorda e afirma que eles preenchem os requisitos para os cargos.

Cobiçada por madeireiros e invasores enquanto o seu processo de demarcação se arrasta por quase 40 anos, a Terra Indígena Piripkura é considerada a porta de entrada da Amazônia Legal.

Tema do documentário "Piripkura", lançado em 2017 pelos diretores Mariana Oliva, Bruno Jorge e Renata Terra, a Terra Indígena Piripkura ganhou projeção depois que ficou confirmada a presença de índios isolados na região; eram os três últimos sobreviventes de pelo menos dois massacres liderados por madeireiros nos anos 1980. Tio e Sobrinho, Pakui e Tamandua seguem nômades pela floresta e se movimentam por uma mata densa, entre os limites dos municípios de Colniza, Rondolândia e Aripuanã, distantes cerca de mil quilômetros da capital, Cuiabá.